A força que invade o corpo feminino quando o bebê está descendo, já coroando, é de uma intensidade descomunal. Há um desejo incontrolável de expelir, de expulsar... de morrer. Sim, a mulher vai morrer. E o bebê, imerso e integrado no mundo uterino, também vai morrer, pois é preciso entregar-se à morte para renascer em vida.
Nesse momento acontece uma profusão de registros na vida dos seres que nascem.
A mulher exala amor e emoção. Mira o bebê nos olhos, beija-o. Nasce uma mãe.
O primeiro suspiro carregado de ar, o choque nos pulmões e o choro reativo são suavizados pelo primeiro olhar, o primeiro toque da mãe, o beijo na face, a luz suave, o som da voz, a expressão no rosto, o prazer do abraço. Nasce um bebê!
Se não temos memória do estado intra-uterino, das contorções do parto, dos primeiros instantes de vida, nossos corpos e nossa psique inconsciente têm. Tudo o que se relaciona com o corpo a partir daí estará impregnado deste primeiro sentimento em relação à vida: nossas experiências de dor e de prazer físicos, nossa capacidade de amar e até mesmo nossa morte.
O que é a vida? Perguntam-se mãe e filho nesse instante primeiro. A vida é tudo que se revelará a partir dali. E esses rápidos instantes, repletos de significado, vão colorir os sucessivos “começos” das vidas que se seguem.
A forma como a gente recebe os nossos filhos no nascimento diz a eles "como o mundo é".
Se meu bebê é recebido com calma, com cada abraço da contração, com esforço e vitória, com um abraço imediato da mãe e as palavras afetuosas do pai, numa sala quentinha e escurinha, ele entende que o mundo é um lugar seguro e tranqüilo, que ele é amado e desejado. Mamãe é essa que me segurou assim que eu nasci, chorou e disse "bem-vindo, meu filho, nós conseguimos!!" Mamãe é essa que fica me olhando enquanto ainda estou todo melecado de vérnix e líqüidos do parto, e não me solta por motivo algum. Não preciso ainda respirar com força, pois meu cordão ainda pulsa. Não preciso abrir os olhos e chorar, todos sabem que eu estou bem só por estar corado no colo da minha mãe. Sim, está tudo bem, acho que vou confiar no mundo, vou confiar nas pessoas.
Ao contrário, se ele é arrancado de dentro do útero sem maiores avisos, enquanto está lá dormindo, fora de trabalho de parto, numa cesárea marcada porque "mamãe tá com pouco líqüido, bebê tem cordão enrolado, mamãe tem bacia feia", é levado para longe de sua mãe, esfregado, colocado sob holofotes, aspirado, carimbado, colocam em seus olhos uma substância cáustica e o levam para um berço aquecido onde ficará isolado (chorando ou não) por 6 horas - o que ele entende que é o mundo? O mundo é um lugar inóspito, que não foi feito para ele. E a mãe dele? Cadê? Ah, sim, deve ser essa senhora que agora me dá um banho estranho sob a torneira do berçário? Não, não, talvez seja essa outra que me dá uma mamadeira com água glicosada para eu parar de chorar? Ops.. não.. deve ser essa que me veste... Ou essa que me arrasta pelos corredores? Opa, será que é essa que me pegou no colo agora, mas mal consegue me segurar?
O parto é o primeiro grande evento na vida da criança e que será para ela um grande divisor de águas. Quando um bebê tem que passar por uma cesariana porque corre um VERDADEIRO risco de vida, ou porque de alguma forma houve um problema VERDADEIRO no parto, então tudo isso tem um sentido especial. Ele foi resgatado para não ter um problema grave ou até para não morrer. Ele foi tirado do útero porque de outra forma teria sido uma experiência muito pior para ele.
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