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Pelo fim da Episiotomia de rotina

A episiotomia é o corte do períneo (região entre a abertura da vagina e o ânus), feito na parturiente, momentos antes do nascimento do bebê.

Episotomia de rotina é o uso indiscriminado do procedimento, como uma regra para todos os partos normais (vaginais). Desde a década de 80 temos suficientes evidências científicas de que essa cirurgia de rotina (corte da vulva e da vagina) não traz benefícios para a mulher, mas sim causa inúmeros problemas de saúde sexual e reprodutiva. Algumas regiões do mundo já reduziram suas taxas de episiotomia a níveis aceitáveis, mas ainda há muito que mudar.

Se for considerado que, de acordo com evidências científicas, a episiotomia tem indicação de ser usada em cerca de 10% a 15% dos casos e ela é praticada em mais de 90% dos partos hospitalares na América Latina, pode-se entender que anualmente milhões de mulheres têm sua vulva e vagina cortadas e costuradas sem qualquer indicação médica.

Um estudo mostrou que o uso rotineiro e desnecessário da episiotomias na América Latina desperdiça cerca de US$ 134 milhões só com o procedimento, sem contar as despesas com as freqüentes complicações.
Fonte: Tomasso et al, 2002.

Pode-se calcular o desperdício daquilo que é quantificável, como litros de sangue, dias de incapacidade, prejuízos na amamentação, material cirúrgico ou simplesmente dinheiro público, nesses milhões de episiotomias inúteis realizadas anualmente. Há ainda o imponderável sofrimento físico e emocional da mulher – além da mensagem de que seu corpo é defeituoso e de que ela será sexualmente desprezível se não se submeter a esse ritual, que supostamente lhe devolverá a "condição virginal".

O abuso das episiotomias
Uma vez que os procedimentos do chamado "parto típico" (isolamento, soro com
hormônio, jejum, episiotomia etc.) são aceitos pelo senso comum como "adequados", tanto os profissionais que os infligem quanto as mulheres que os sofrem tendem a percebê-los como um mal necessário.

O uso indevido da episiotomia e da posterior costura (episiorrafia) é um exemplo de violação do direito humano de estar livre de tratamentos cruéis, humilhantes e degradantes. A episiotomia tem sido indicada para facilitar a saída do bebê, prevenir a ruptura do períneo e o suposto afrouxamento vaginal provocado na passagem do feto pelos genitais no parto normal.

Sabe-se que essa indicação não tem base na evidência científica, mas sim na
noção – arraigada na cultura sexual e reprodutiva – do "afrouxamento vaginal", decorrente do "uso" da vagina, seja pelo uso sexual ou reprodutivo.

Essa representação da vagina "usada", "lasseada", "frouxa" é motivo de intensa desvalorização das mulheres e se apóia tanto na cultura popular quanto na literatura médica produzida por grandes autores brasileiros e internacionais.

Na fala dos profissionais repete-se a crença de que, sem esse corte e essa sutura adicional que aperta a vagina, chamada "ponto do marido", o parceiro se Desinteressaria sexualmente pela mulher ou, no mínimo, por sua vagina.

Essa crença é difundida por muitos autores como, por exemplo, Jorge de Rezende – possivelmente, o maior autor de obras sobre obstetrícia no Brasil – e é, certamente, uma justificativa importante do uso da cesárea:
"A passagem do feto pelo anel vulvoperineal será raramente possível sem lesar a integridade dos tecidos maternos, com lacerações e roturas as mais variadas, a condicionarem frouxidão irreversível do assoalho pélvico".
Fonte: Rezende, 1998.

Vários estudos mostram que a episiotomia e a posterior costura provocam dor intensa. Mesmo nos serviços onde as mulheres não têm acesso a anestesia adequada, elas têm que enfrentar esses e outros procedimentos altamente dolorosos. Nessas situações, as mulheres freqüentemente gemem e choram de dor "do primeiro ao último ponto".
Fonte: Alves e Silva, 2000.

Mesmo sem o conhecimento das chamadas evidências científicas, muitas mulheres sentem-se injustiçadas por essa violência física e emocional. Muitas sofrem mutilações severas e dificilmente reversíveis. Esses casos de aleijões genitais vão depois compor a demanda de outro profissional, o cirurgião plástico especializado em corrigir genitais deformados por episiotomias.
Fonte: Diniz, 2000.

O apelo da episiotomia para "devolver a mulher à sua condição virginal" como proposto por alguns autores na década de 20, teve eco na cultura brasileira. A imagem que o discurso médico sugere é que, depois da passagem de um "falo" enorme – que seria o bebê – o pênis do parceiro seria proporcionalmente muito pequeno para estimular ou ser estimulado pela vagina.

No Brasil, a episiotomia e seu "ponto do marido", assim como a cesárea e sua "prevenção do parto", funcionam, no imaginário de profissionais, parturientes e seus parceiros, como promotores de uma vagina "corrigida". Se as mulheres acham que vão ficar com problemas sexuais e vagina flácida após um parto vaginal e que e a episiotomia é a solução, elas tendem a querer uma episiotomia. Mas, quando as mulheres têm acesso a informação e sabem que é possível ter uma vagina forte por meio de exercícios, elas passam a compreender que a episiotomia de rotina é uma lesão genital que deve ser prevenida e que elas podem recusá-la.

Desde meados da década de 80, há evidência científica sólida indicando a abolição da episiotomia de rotina. Em grande medida, estão disponíveis no país os elementos técnicos, como manuais e normas, para implementar mudanças na assistência ao parto. O que falta é avançar na promoção de mudanças institucionais, para fazer justiça a esses avanços. Essas mudanças exigem a mobilização das mulheres, profunda mudança na formação dos profissionais de saúde, além de coragem e firmeza dos responsáveis pelas políticas públicas.

A garantia de assistência humanizada ao parto – orientada pelos direitos e baseada na evidência – constitui uma importante estratégia na busca da promoção dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres em um momento tão especial de suas vidas.

Texto de Simone Diniz - Rehuna/SP

E você fez episiotomia em seus partos ou não? Acha que sem o "ponto do marido" a vagina fica "lasseada"?

Comentários

  1. Prezados Srs.
    a minha esposa teve parto normal e fizeram o procedimento de episiotomia, porém os pontos cairam em 4 dias, sem ocorrer nenhuma cicatrização, com isso, o corte que fizeram se abriu por completo, ela ficou com muitas dores, levamos ela para a maternidade novamente e afirmaram que nada poderiam fazer, somente esperar cicatrizar sozinho. Passados agora 2 meses ainda parece estar na metade da cicatrização.
    A minha duvida se a vagina deve cicatrizar por completo ou deve ficar parte do buraco existente.
    Outra duvida, caso a vagina não cicatrize conforme deveria, podemos exigir da Maternidade uma nova cirurgia de reparo?

    procurei na internet algo que explique esse tipo de ocorrencia, porem não encontrei nada, devido a isso estou pedindo orientação.

    e-mail de contato: lima317@yahoo.com.br

    grato pela atenção,
    Samuel Lima

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